Que jogo bom é esse “Game of Thrones” (PCs, Xbox 360 e PS3). Há umas semanas, escrevi um post todo mal-humorado, dizendo que GoT ia ser uma porcaria. Que soava como uma armadilha para tirar grana dos fãs da série. Que estava sendo apressado etc.
Em minha defesa, acho que nunca vi um jogo “grande” tão quebrado e com tantos problemas. O volume de decisões equivocadas é brutal, e fica evidente que eles tiveram pouco tempo para afinar a coisa. Se quiser ver do que estou falando, tente jogar com um arqueiro. Como a opção foi apresentada, criei todo o personagem pensando nisso. Mas, curiosamente, é quase inviável usar o arco durante boa parte do jogo. Primeiro porque os combates só começam quando você chega a uma certa distância dos adversários. De modo que é impossível encaixar mais de duas flechas antes que o sujeito esteja em cima de você. Como em geral são vários inimigos ao mesmo tempo, o negócio é ficar ali soltando flechas a um palmo do cara, enquanto todo mundo te picota. E, quando você finalmente acerta uma de longe, eles voam sobre o personagem em segundos. Às vezes, o teu NPC consegue mantê-los afastados. Ainda assim, pelo menos um deles costuma vir correndo na primeira flechada, o que inviabiliza tudo outra vez. Mais para frente no jogo, com armas melhores e avanços no personagem, já dá para fazer algum estrago. Ainda assim.
Good times
Outro exemplo de decisão imensamente equivocada é o modo como o jogo marca as missões no mapa. Como em qualquer RPG, o mapa no canto da tela muda quando você entra numa taverna, castelo etc. Normalmente, se você está num estabelecimento aleatório, comprando alguma coisa, por exemplo, a marca da missão some do mapa, o que faz bastante sentido. Em GoT, a marca permanece, sempre indicando a porta. A lógica é que a missão está do lado de fora, então se você quer continuar a trama principal, precisa ir até: a porta. Para melhorar, se o estabelecimento tiver seis portas, cada uma terá um marcador de missão no mapa. Quando há também uma missão dentro do estabelecimento, encontrá-la se torna um exercício de paciência, tentativa e erro. Como o próprio menu de missões é confuso, você nunca sabe se está deixando de fazer alguma coisa naquele lugar ou se vai percorrer um baita caminho para dar de cara em outra porta. Felizmente, GoT é bastante linear, com poucas (e também mal sinalizadas) missões paralelas. Fiquei com a impressão de que era quase uma maneira de dificultar o jogo, mas ninguém seria tão cruel e mesquinho, então coloquei de novo na conta do prazo apertado.
Pensando assim, GoT tinha mesmo tudo para dar errado. Mas ele acerta em tantas coisas que fica fácil deixar para lá os problemas técnicos. E até o foco em uma narrativa linear, costumeiramente o flagelo do bom RPG, acaba se tornando em um dos pontos fortes do jogo.
Cersei Lannister, em aparição especial.
GoT tenta seguir a estrutura dos livros, alternando de ponto de vista entre os capítulos. Você controla dois personagens, um irmão da Patrulha da Noite e um sacerdote vermelho, metido na sucessão de uma das casas dos Sete Reinos. Os dois podem ser personalizados entre três classes diferentes, e seguem narrativas paralelas ao primeiro livro da saga (e à primeira temporada). A trama, que poderia muito bem degringolar em fanfic, é totalmente fiel ao espírito da série. Embora o sistema de combate também seja interessante (volto a isso em um minuto), GoT é no fundo um jogo carregado pela história. As intrigas e traições entre os lordes soam autênticas ao universo de George Martin. Em meio às dezenas de diálogos e textos, até a prosa lembra a do autor. A isso soma-se um excelente sistema de escolhas morais. Embora esbarrem na velha limitação entre a escolha “boa”, a “má” e o caminho do meio, as decisões têm peso na trama e fiquei com vontade de jogar de novo para testar outros caminhos. A grande diferença de tom em relação ao original é que o jogo é bastante assexuado. Quem viu meio episódio ou passou os olhos pelos livros sabe que Martin carrega a trama de sacanagem, mas não há grandes momentos de hot coffee nesse GoT.
Melhor do que parece
A ação em si ocorre em tempo real, com opção de interrompê-la a qualquer momento (na verdade, o jogo entra em câmera lenta) para empilhar comandos, magias etc. Embora os vídeos deem a impressão de um combate acerebrado, as batalhas são bastante táticas e exigem que o jogador se adapte, mude de plano, reaja de maneiras diferentes. Não é bem um jogo difícil, mas te força a pensar a cada encontro, o que é bastante.
Espero que façam um segundo, mais afinado e menos corrido. Se o próprio autor leva anos entre um livro e outro, ninguém vai se incomodar com a espera.