Os dez melhores adventures (Sierra e Lucas Arts)
06/03/12 12:30A década de 90 foi a era de ouro dos adventures. Descendente direto das aventuras de texto, o adventure foi, durante muitos anos, um gênero reinante nos PCs. E depois ele sumiu. Quer dizer, muito se fala dessa decadência, mas a verdade é que os jogos continuaram a ser produzidos, ainda que em menor escala. De uns anos pra cá, primeiro com a Telltale Games e agora com Tim Schafer, o gênero vem passando por um certo renascimento (embora menos estrondoso do que pareça). Ao mesmo tempo, serviços como o Steam e o Good Old Games permitem acesso fácil aos clássicos, que de quebra já vêm adaptados para computadores modernos. E quem ainda guarda os originais (cof) pode usar o DOSBox (no caso de jogos de DOS) ou o ScummVM (para todos os jogos da Lucas Arts e alguns da Sierra).
Aliás, impossível falar de adventures sem mencionar a Lucas Arts e a Sierra. Juntas, elas praticamente inventaram o gênero, e foram as grandes responsáveis por sua popularidade. Minha ideia no início era fazer apenas uma lista dos dez melhores adventures. Essa lista subiu para quinze, e logo percebi que seria impossível fazer justiça aos demais títulos sem separá-los em outro post. Esta primeira lista, portanto, cobre apenas os jogos lançados pela Sierra e pela Lucas Arts nos anos 90. Aqui você pode ver a lista dos dez melhores jogos de outras produtoras. Alguns estão disponíveis pelo GOG ou pelo Steam a preços camaradas. Se existe a opção, sempre procuro comprar do GOG. Primeiro porque são dedicados apenas a isso, e depois porque os títulos vêm sem travas e podem ser gravados e copiados. E de quebra eles oferecem uns clássicos de graça, como “Beneath a Steel Sky“. Mas também aprecio muito a praticidade do Steam, por isso incluí ambos os links. Os demais jogos podem ser encontrados aqui.
King’s Quest VI: Heir Today, Gone Tomorrow (Sierra, 1992)
Colaboração entre Roberta Williams, criadora da série, com Jane Jensen, que depois faria “Gabriel Knight” pela própria Sierra. É o melhor KQ: o mais longo, o mais difícil e o mais sombrio. Você controla o príncipe Alexander, terceiro filho do rei Graham a protagonizar um jogo da série, numa viagem à Land of the Green Isles, reino povoado de seres mitológicos. Os quebra-cabeças estão entre os mais inventivos do gênero, embora algumas partes exijam consulta ao manual, o melhor sistema antipirataria que se tinha à disposição na época. Como em todos os jogos da Sierra, é possível morrer e ficar empacado irreversivelmente. Dica: não entre no labirinto do Minotauro sem a lamparina.
Gabriel Knight: Sins of the Fathers (Sierra, 1993)
Meu adventure favorito. Não apenas porque a história criada por Jane Jensen é genuinamente boa, ou porque os quebra-cabeças, que parecem canalhas num primeiro momento, sempre se resolvem de maneira lógica (“como eu não pensei nisso antes?”). Ou ainda pela direção de arte soturna, o estilo gótico ou o senso de humor negro e cínico. O barato de GK está no clima. Conforme o protagonista, um escritor e livreiro falido de New Orleans, investiga uma série de assassinatos, que podem ou não ter sido cometidos por uma seita vodu, o jogador se vê preso numa trama familiar de séculos, que se desenrola a conta-gotas, mantendo o suspense até a cena final. Ganhou duas continuações igualmente boas, e volta e meia surge um abaixo-assinado para que alguém banque um quarto GK.
Grim Fandango (Lucas Arts, 1998)
Tido, com justiça, como o último grande adventure clássico. Nessa época, Sierra e Lucas Arts já estavam tomando outros caminhos, e “Grim Fandango” foi o derradeiro investimento de peso no gênero. Para essa saída em grande estilo, Tim Schafer bolou um mundo de intriga política que combinava suspense noir com a mitologia asteca de vida após a morte. Passado ao longo de vários anos e ambientado na Terra dos Mortos e além, “Grim Fandango” foi a primeira investida da Lucas Arts nos adventures 3D. Lembro que, na época, uma resenha da PCGamer dizia algo como, “se você não pensar lateralmente, vai passar anos empacado na segunda metade”. Dito e feito: fiquei semanas tentando sair da floresta petrificada, mas quando deu certo, percebi como tudo fazia sentido desde o início. Não há jogos muito melhores do que esse.
Infelizmente, “Grim Fandango” ainda não está disponível em nenhum sistema de distribuição digital, por conta de questões técnicas. Mas existe um jeito de rodá-lo em sistemas modernos, caso você tenha o jogo. Detalhes aqui.
Day of the Tentacle (Lucas Arts, 1993)
Sequência de “Maniac Mansion”, o primeiro adventure da Lucas Arts a adotar o sistema Scumm, que foi usado em todos os jogos seguintes, até “Grim Fandango”. A trama envolve um tentáculo roxo megalomaníaco e a verdadeira origem da constituição americana, e se passa em três linhas temporais diferentes. A graça é que, embora estejam separados por séculos, os três protagonistas precisam interagir e trocar itens, dando margem a alguns dos melhores quebra-cabeças da dupla Tim Schafer e Dave Grossman. Dentro da filosofia Lucas Arts, é impossível morrer ou ficar irreversivelmente empacado, mas, ainda assim, conte com algumas horas até descobrir o procedimento correto para descongelar o esquilo.
Também não está disponível, mas pode ser jogado no ScummVM.
Quest for Glory IV: Shadows of Darkness (1993)
A série Quest for Glory foi um meio-termo que a Sierra tentou encontrar entre os adventures e os RPGs. Assim como em qualquer adventure, é preciso conversar com todos os personagens, coletar itens e resolver quebra-cabeças. Mas seu herói no jogo também deve ser escolhido entre três classes (ladrão, mago e guerreiro), é obrigado a batalhar e progride como num RPG normal. E, adiantando algo que seria moda vinte anos depois, já era possível trazer seu personagem do jogo anterior, o que oferecia um sentido inédito de progressão. Há um eterna guerra sobre qual seria o melhor da série, o terceiro ou o quarto. Escolhi “Shadow of Darkness” porque foi o primeiro que joguei, mas os outros também são bons.
Mais um que não está disponível. Dá para matar a curiosidade com o remake gratuito do segundo jogo da série. Os mesmos caras fizeram remakes muito bons (e também gratuitos) dos três primeiros King’s Quests.
ATUALIZAÇÃO: O GOG passou a vender a série toda.
Full Throttle (Lucas Arts, 1995)
Possivelmente o jogo mais popular dessa lista, pelo menos no Brasil. Não sei bem porque, mas em geral se a pessoa jogou apenas um adventure, quase sempre foi “Full Throttle”. Para muitos ainda é a obra-prima de Tim Schafer, por conta do humor, do ritmo meio cinematográfico e dos personagens, ou melhor, do protagonista, o motoqueiro Ben. “Full Throttle” se passa num mundo pós-apocalíptico, e o objetivo de Ben é tirar sua gangue, os Polecats, da prisão. Não é exatamente um jogo fácil, mas, por ser curto e menos esotérico que os outros, é um bom ponto de partida no gênero. Se não me engano, foi o primeiro jogo da Lucas Arts a ser lançado diretamente em CD-ROM, sem opção de disquete, e a dublagem é excepcional. Se você tem alguma curiosidade por adventures, recomendaria começar por aqui.
Infelizmente, também não está disponível ainda. Só encontrei uma demo. Mas era vendido em revistas no Brasil (e vinha de brinde no kit multimídia da SoundBlaster), então é fácil de encontrar.
Sam And Max Hit The Road (Lucas Arts, 1993)
Se não é o melhor, é o mais engraçado de todos os adventures. Humor já era o forte da Lucas Arts (embora a Sierra fosse a produtora de “Leisure Suit Larry” e “Space Quest”), e “Sam & Max” foi o jogo mais francamente voltado a isso. E o que é melhor, sem prejuízo nenhum aos quebra-cabeças (vontade de jogar outra vez só de lembrar). Você controla Sam, da dupla do título, um labrador antropomorfizado que é policial em regime freelancer. Junto com Max, um coelho psicótico e homicida, você percorre os Estados Unidos numa road trip por atrações de estrada, freak shows e parques temáticos. A trama gira em torno do pé-grande Bruno e de um conclave de pés-grandes num hotel com motivos havaianos, ou algo do gênero. Clássico obrigatório.
Mancada grande da Lucas Arts não liberar o jogo no Steam ou no GOG, mas suspeito que haja alguma questão de direitos. A Telltale fez três novos jogos com a dupla, que podem ser comprados aqui. Os episódios são desiguais, mas o humor está lá.
Indiana Jones and the Fate of Atlantis (Lucas Artas, 1992)
Dez vezes melhor que o último Indiana Jones, “The Fate of Atlantis” é uma aventura bastante genuína do arqueólogo, que capta perfeitamente o tom dos filmes e coloca o jogador para resolver os mesmos tipos de mistério, se valendo dos mesmos procedimentos. Como sempre, há uma mulher envolvida, no caso a ex-arqueóloga Sophia Hapgood, que abandonou a carreira para virar médium. Ela é especialista em Atlantis (quem jogou vai se lembrar do indefectível Nur-Ab-Sal e do metal oricalcum), o continente perdido que agora está na mira dos nazistas. Joguei há pouco tempo (ele roda direitinho num netbook), e continua bom. E o labirinto de Creta ainda é terrivelmente difícil. Mas fiquei na dúvida entre esse e o “The Dig“. “Fate of Atlantis” entrou porque, no fim, é mais divertido.
Monkey Island 2: Le Chuck’s Revenge (Lucas Arts, 1991)
Podia ser tanto o primeiro quando o segundo “Monkey Island”. Ou ainda, para fazer justiça, os dois. Nenhuma série foi tão copiada e citada como essa. Os bordões aparecem por toda parte, e quem teve um computador na época dificilmente deixou de jogar. Escolhi o segundo porque gosto demais do final, mas os dois são adventures perfeitos: o humor e os quebra-cabeças jamais foram superados, e não há personagens parecidos em nenhum outro jogo, ponto. Do protagonista Guybrush Threepwood ao pirata fantasma Le Chuck, passando pelo vendedor Stan, a senhora Vodu e o ermitão Herman Toothrot, todos foram escritos com galhardia sem fim por Ron Gilbert, o criador de “Maniac Mansion”. Tim Schafer e Dave Grossman participaram do segundo, mas a demência é puro Gilbert.
As versões disponíveis no Steam são remasterizadas, com gráficos e comandos novos, voltados aos consoles (e aos ímpios de espírito). Mas dá para trocar para o visual clássico com um clique, e a vantagem é que o segundo jogo, que nunca foi lançado em CD, vem com as mesmas vozes do primeiro. “The Secret of Monkey Island” aqui e “Le Chuck’s Revenge” aqui.
Conquests of the Longbow: The Legend of Robin Hood (Sierra, 1992)
Coloquei “Conquests of the Longbow” nessa lista por razões sentimentais. Foi o primeiro adventure que joguei, o pai de um amigo trouxe de fora com um manual xerocado e não nos deu mais nenhuma informação. Na época, dispúnhamos apenas de “Wing Commander”, que é um excelente jogo, mas já estava enchendo o saco. Ficamos totalmente transtornados com “Conquests”. A graça era ir descobrindo as regras do gênero conforme a gente tentava avançar. Quando terminamos, nossa comemoração deu lugar a revolta, ao percebermos que, mesmo tendo atingido o fim, não havíamos feito muita coisa no caminho, e o herói acabava enforcado. Desnecessário dizer que ficamos meses e meses até virar “Conquests” com todos os pontos (cada ação “correta” no jogo vira um ponto, expediente comum da Sierra). Anos depois, num arroubo de sentimentalismo, mandei um e-mail à autora, acho que a única carta de fã que escrevi na vida. Não sei bem o que mexeu comigo, mas nunca mais parei de jogar adventures. Todavia, para além da nostalgia, “Conquests” é um jogão, com uma trama longa e intricada, além de vasta pesquisa histórica. E várias das partes ocorrem em tempo real: é preciso estar em determinado lugar, em determinada hora para falar com fulano e assim por diante.
“Conquests of the Longbow” jamais será relançado. Não vendeu tanto e a criadora abandonou há tempos o mundo dos jogos. Ele cai, portanto, na categoria abandonware, uma espécie de limbo legal, em que o jogo pertence a uma empresa, que por sua vez já abriu mão dele. Tudo isso para dizer que o jogo está disponível aqui, no Abandonia. É preciso usar o DOSBox, e alguns quebra-cabeças exigem o manual (disponível no mesmo link). O DOSBox é um pouco chato, mas seguindo esse guia, vai dar tudo certo.