Conforme prometido, aí vai a lista dos dez melhores adventures feitos por empresas que não a Lucas Arts ou a Sierra. Essa lista foi bem mais difícil, e muitas coisas que deveriam estar aqui ficaram de fora. Como digo lá embaixo, há jogos melhores que “Rex Nebular And The Cosmic Gender Bender”, por exemplo. Ou “Dark Seed”. Mas não dá para avaliar jogos apenas com base em dados técnicos, e esses são os adventures que, pelo menos pra mim, melhor captaram o espírito do gênero. Também, num universo de dezenas de produtoras, é impossível fazer justiça com todo mundo. Não coloquei, por exemplo, nenhum jogo da Telltale, embora goste de diversos deles. E certo que me esqueci de uma porção de coisas, mas os comentários estão aí para isso.
Lembrando que esse post faz par com “Os dez melhores adventures (Sierra e Lucas Arts)”
The Last Express (Brøderbund, Interplay, 1997)
Pequena obra-prima dos adventures, “The Last Express” marca a única incursão de Jordan Mechner, o lendário criador de “Prince of Persia”, no gênero. Ambientado nos dias que antecedem a Primeira Guerra Mundial, “The Last Express” conta uma história de intriga política, espionagem e assassinato. O jogo se passa dentro o Expresso do Oriente, o trem que fazia a viagem de Paris a Constantinopla, mas não dá para falar da trama sem entregar as surpresas. Basta dizer que tudo ocorre em tempo real, ou seja, os passageiros do trem seguem suas rotinas, e cabe ao jogador estar lá para ouvir — de trás da porta, por exemplo — a conversa de dois conspiradores, ou conseguir alguma outra pista importante. Assim, nenhuma partida é a mesma (e há mais de trinta finais para o jogo), o que faz de “Last Express” provavelmente o mais original dos adventures.
GOG
The Pandora Directive (Access Software, 1996)
Roger Wilco, Guybrush Threepwood, Manny Calavera: não faltam heróis aos adventures da era de ouro. O único a rivalizar com os clássicos foi Tex Murphy, protagonista de cinco jogos da Access Software. Descobri a série com “Under a Killing Moon”, suspense noir ambientado na São Francisco pós-terceira guerra mundial. O jogo combinava exploração em 3D e o chamado “full motion video”, em que as cenas entre os personagens eram filmadas com gente em carne e osso. O protagonista, um detetive durão com ares de Sam Spade, é vivido por Chris Jones, o próprio criador do jogo. Escolhi “The Pandora Directive” para a lista porque tem a minha trama favorita e os melhores atores. Contratado para localizar uma pessoa desaparecida, Murphy logo cai numa espiral de tramoias e mentiras que, obviamente, terá implicações globais. Como nos outros da série, há humor, suspense e quebra-cabeças cabeludos. Os controles podem causar um pouco de estranhamento, mas invista: vale a pena.
Há alguns anos, os direitos foram revertidos para Chris Jones, que passou a ser dono da série. Ou seja, quando compra um jogo dele no GOG, você está ajudando diretamente o criador. Faça sua boa ação do dia aqui.
Syberia (Microïds, 2002)
No auge do gênero, um adventure da Sierra configurava um acontecimento tecnológico. E, para rodá-lo, era preciso ter um bom computador, placa de som 16-bits, o diabo. Dez anos depois, meu microondas roda “King’s Quest” sem pestanejar. Até um adventure atual, com cenários lindos, alta resolução e personagens tridimensionais exige menos do PC do que os quinze primeiros minutos do Call Of Battlefield: Modern Warfare Duty da vez. Esse descompasso permitiu que o gênero sobrevivesse na Europa, onde produtoras de médio porte — sem meios de concorrer com as grandes e aproveitando que os europeus demoram mais a trocar de máquina — iniciaram uma expressiva produção local. Até hoje, há ótimos adventures sendo feitos lá e depois lançados nos EUA, como o recente “Book of Unwritten Tales”.
Dessa safra, “Syberia” é um dos meus favoritos. Criado pelo quadrinista belga Benoît Sokal, o jogo coloca você como intermediadora de uma sucessão familiar, no papel da advogada que está conduzindo a compra de uma fábrica de brinquedos francesa por uma gigante americana. Os Voralberg produzem autômatos, ao melhor estilo steampunk, e vários quebra-cabeças exigem que o jogador opere essas máquinas, cujo funcionamento lógico cai como uma luva para o gênero. Mas “Syberia” é um adventure clássico, no melhor dos sentidos, e de quebra tem um roteiro excelente.
GOG, Steam
Death Gate (Legend Entertainment, 1994)
O único desses jogos que não conheci na época do lançamento. Com os anos, fui vendo que ele sempre aparecia em matérias sobre adventures, e tenho pelo menos dois amigos que juram não haver nada melhor no gênero. Tirando o leve exagero, é de fato um baita jogo. Além dos elementos típicos dos adventures (fale com todo mundo, colete todos os itens), há um sistema de criação de magias muito bem integrado à mecânica do jogo. Em espírito, essas partes lembram um pouco o “Loom”, da Lucas Arts. Mas a trama foge das armadilhas clássicas das histórias de fantasia, e os encontros com seres fantásticos conseguem quebrar com os clichês aos quais nos habituamos após décadas de RPGs genéricos. Não é longo e nem difícil, mas tem muito texto (mesmo em comparação com outros adventures). Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da história é bastante literário, até, o que é raro e muito bem-vindo.
A versão em CD é um pouco difícil de encontrar (todavia, nada que o Google não resolva). O Abandonia tem a versão em disquetes aqui.
Rex Nebular and the Cosmic Gender Bender (Microprose, 1992)
Cometi uma injustiça brutal ao escolher “Rex Nebular” em vez de, sei lá, “Machinarium”, ou ainda “Myst”, “Kyrandia” ou “Sanitarium”. “Rex Nebular” foi uma tentativa da Microprose de entrar no ramo dos adventures. Como todo mundo que não sabe bem o que está fazendo, eles copiaram. No caso, um pouco de “Space Quest”, um pouco de “Leisure Suit Larry” e o que mais estivesse à mão. O resultado é um filme B de ficção científica, com humor duvidoso, clima meio softporn (pense Telecine Action) e quebra-cabeças ocasionalmente desprovidos de lógica e sentido. Ainda assim, gosto demais de “Rex Nebular”, lembra aquele filme médio que você pegou do segundo bloco e não conseguiu desligar. E a trama é adequada: um astronauta cai num planeta só de mulheres, que querem usá-lo para fins reprodutórios. Não chega a ser um “Porky’s” no espaço, mas nem sempre se pode ter tudo.
Abandonia
The Lost Files Of Sherlock Holmes: The Case of the Rose Tattoo (Electronic Arts, 1996)
Sherlock Holmes é praticamente um subgênero dentro dos adventures. Suas primeiras aventuras datam dos jogos de texto, e há um lançamento programado pelo Frogware para os próximos meses. Escolhi “The Rose Tattoo” porque é sem dúvida a mais fiel das versões. Do narrador às (infinitas) descrições de cena, tudo é feito com autenticidade impressionante. É preciso coletar provas, confrontar suspeitos e realizar experimentos, seguindo à risca a cartilha de Conan Doyle. A trama gira em torno de um atentado no clube Diogenes, frequentado por Mycroft, o irmão de Holmes que pode ou não ser o homem mais poderoso da Inglaterra. Todos os personagens são interpretados por atores, e “The Rose Tattoo” é um dos adventures mais caprichados de sua época.
Como ocorre com muitos jogos da década de 90, é um pouco chato de encontrar, mas a famosa aliança entre Google e paciência pode render. O jogo anterior da série, “The Case of the Serrated Scalpel”, também é ótimo, e está lá no Abandonia. Para quem quiser testar os adventures mais modernos do detetive, recomendo “The Awakened“, que combina elementos do universo de H.P. Lovercraft ao mundo de Conan Doyle.
The Longest Journey (Funcom, 1999)
Se for escolher apenas um jogo dessa lista, pegue esse. “The Longest Journey” é um dos melhores adventures dos últimos anos. Feito na Noruega e dirigido por Ragnar Tørnquist (que agora está às voltas com o MMORPG “The Secret World”), “The Longest Journey” tem tudo que se espera de um bom mistério: trama envolvente, personagens bem escritos, e quebra-cabeças lógicos e desafiadores (além da direção de arte impecável ). Fora isso, conta com uma das protagonistas femininas mais interessantes que conheço. A história em si gira em torno de uma guerra entre dois mundos, um voltado à tecnologia e o outro à magia. Você controla April, uma menina de dezoito anos que consegue transitar entre esses universos. Há um conflito ancestral sendo travado, e você obviamente será lançado ao centro dele.
Tirando o final um pouco abrupto, não tenho mais nenhuma crítica a “The Longest Journey”. Há uma sequência, “Dreamfall”, um pouco mais focada em elementos de ação, mas muito boa também. O Ragnar vive prometendo concluir a série, mas acho que ficaremos por aqui mesmo.
GOG, Steam
Broken Sword: The Shadow Of The Templars (Revolution Software, 1996)
Talvez a única produtora a rivalizar com a Sierra e a Lucas Arts fosse a Revolution Software, do inglês Charles Cecil. Ele já havia dirigido “Lure Of The Temptress” e “Beneath a Steel Sky”, dois grandes sucessos comerciais. Mas “Broken Sword” foi o primeiro jogo realmente ambicioso da Revolution, com gráficos e interface muito à frente de seus antecessores. Você controla George Stobbart, um advogado americano de férias em Paris que é testemunha de um atentado à bomba num café. Ele conhece a jornalista Nico, e os dois são arrastados numa conspiração internacional de templários, que adiantou em alguns anos a trama de “O Código DaVinci” (o jogo é bom, juro). “Broken Sword” segue a filosofia da Lucas Arts: não é possível morrer ou ficar empacado. Ele é um pouco mais fácil do que os adventures da época, e portanto serve como uma boa introdução ao gênero. Há outras três sequências, todas desiguais, mas o segundo “Broken Sword” também é bacaninha. Uns anos depois, o Cecil lançou uma versão do diretor do primeiro jogo, com uns cacos a mais. É esta que esta à venda no GOG e no Steam.
GOG, Steam
Dark Seed (Cyberdreams, 1992)
Tentei jogar há uns dias por conta dessa lista, e logo lembrei o porquê de ter incluído “Dark Seed” nos meus dez mais. Tecnicamente, está atrás de todos os outros jogos listados aqui. Os quebra-cabeças são desonestos (como saber, com três dias de antecedência, que precisava ter colocado uma lixa debaixo do travesseiro?), caindo às vezes num ciclo de tentativa e erro. Ele também não é longo, e a trama tampouco vai longe. Mas, fora da série Gabriel Knight, não conheço nenhum adventure tão apavorante. Parte disso se dá pelo design de alguns cenários, que foi feito por H.R. Giger, o criador do monstro e da estética dos filmes da série “Alien”. Mas há algo indefinido, que começa na dor de cabeça brutal do protagonista no início do jogo (dica: a aspirina está no armário do banheiro) e segue conforme você explora o vilarejo e suporta os pesadelos recorrentes que vem tendo desde a chegada na cidade. Alguns jogos dependem de trama, outros dos quebra-cabeças. “Dark Seed” é todo carregado por uma narração soturna, estética ocasionalmente doentia e uma trilha-sonora alusiva e misteriosa. Talvez seja uma escolha apenas afetiva, mas passe da primeira hora de jogo e me diga o que achou.
O Abandonia tem apenas a versão em disquetes, que não vem com as vozes.
Zork: Grand Inquisitor (Activision, 1997)
Impossível falar de adventures sem falar de Zork. O primeiro grande sucesso do gênero foi um jogo da série, na época das aventuras de texto, e boa parte da “gramática” dos adventures vem de lá. Na hora de migrar Zork para as aventuras gráficas, nem sempre a Infocom (que acabou comprada pela Activision) foi bem sucedida, mas “Grand Inquisitor” não deixa nada a dever para seus irmãos mais velhos. Estão lá o humor sardônico, as piadas internas, as tramas macarrônicas e os mitológicos grues. Você controla AFGNCAAP, acrônimo em inglês para “pessoa aventureira sem rosto, de idade indefinida, gênero neutro e culturalmente ambígua”, numa missão para derrubar o Grande Inquisidor e restaurar a magia no reino. Quem passou pelas aventuras em texto da série poderá ver pela primeira vez algumas das localidades famosas do Grande Império Subterrâneo. Infelizmente, foi o último Zork a ser lançado, e não há sinais de que a série possa voltar (“Zork Online” foi uma aberração e não falaremos disso aqui).
GOG